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Cartas literárias e seus contextos


Plano de Aula do Filme Cartas da Mãe | Documentário | De Fernando Kinas, Marina Willer | 2003 | 28 min | PR


Pra começo de conversa...
"O Henfil foi uma figura crítica no Brasil da mesma forma que o Garcia Lorca na luta contra o fascismo espanhol, ele fez aquilo que a gente descobre em alguns poemas de Drummond durante a ditadura Vargas e nas críticas do Neruda aos diversos regimes autoritários da América Latina. Ou seja, usou o código da arte para abrir um clarão num tempo escuro." (Frei Betto. Apud. Cartas da Mãe)
Depois da queda do muro de Berlim em 1989 e a dissolução da URSS no início da década de 1990 tornou-se muito comum um certo discurso na mídia corporativa de que não há mais uma divisão demarcada entre a esquerda e a direita. Alguns jornalistas e cronistas da grande imprensa insistem mesmo em qualificar aqueles que se dizem de "esquerda" como "antiquados", "atrasados", indivíduos que "perderam o bonde da história" e defensores de bandeiras políticas "fora de moda".
O cartunista e jornalista Henfil certamente discordaria dessa visão. Enquanto ele escrevia as "cartas à mãe", publicadas originalmente na revista Isto É, sob direção de Mino Carta , durante o período de 1977 a 1984, nosso país vivia um duro enfrentamento ideológico entre aqueles que apoiavam a continuidade do regime militar e aqueles que lutavam pelo fim da ditadura.
Vários dos que lutaram abertamente contra o regime autoritário sob direção dos militares foram presos, torturados, mortos ou exilados.
Em 1976, por exemplo: "Dora", como era conhecida entre os amigos a estudante de medicina mineira como Henfil e seus irmãos, Maria Auxiliadora Lara Barcellos (1945-1976), suicidou-se, atirando-se nos trilhos de um trem na estação de metrô Charlottenburg, em Berlim. Dora fazia parte da organização Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (Val-Palmares), um grupo armado de esquerda que lutava contra a ditadura estabelecida pelo governo militar no Brasil após o golpe de 1964. Em 1969 ela foi presa e torturada pelas forças de repressão a serviço do regime militar e nunca mais conseguiu se esquecer da violência a que foi submetida.
No livro Direito à verdade e à memória: comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos, publicado em 2007, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, podemos ler um trecho das memórias de Dora registradas em um diário durante o seu tempo de exílio:
"Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram
nos cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, de grito no escuro".... SEDHPR, 2007: 109 418-419.
O documentário Cartas da Mãe permite-nos refletir sobre parte desse tempo sombrio de nossa história, tempo em que as divergências políticas não foram resolvidas de modo democrático, por meio do debate político, das eleições e sim através do silêncio forçado e até mesmo por meio da destruição física do oponente.
Nos tempos em que Henfil redigia as suas Cartas, quem governava usava da força da polícia, do exército e das instituições de segurança pública para vigiar, perseguir, calar e até mesmo torturar e matar os opositores ao regime.
Henfil estava do lado oposto ao do regime militar: militante de esquerda foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores em 1980, e o criador do mote "Diretas-já" para a campanha de redemocratização do Brasil que mobilizou todo país na luta pelo retorno das eleições diretas para presidente da república.
Seu irmão Betinho, exilado devido a sua militância no movimento estudantil, após retornar ao Brasil com a aprovação da Lei da Anistia em 1979, foi o responsável por uma das campanhas cívicas mais importantes desse país, a de combate à fome. E, juntos, os três irmãos Henfil, Betinho e o músico Chico Mário, todos hemofílicos e que contraíram HIV nas transfusões de sangue em hospitais públicos, lutaram até o fim de suas vidas para aumentar a segurança nos bancos de sangue para que ninguém mais fosse vitimado como foram.
Por tudo isso, Cartas da Mãe é uma lição de cidadania. O documentário, realizado em homenagem a Henfil, lembra-nos sobre a importância de questionarmos, organizarmos, lutarmos pelas causas importantes para a maioria da população brasileira e resistirmos contra um poder opressor.
Temos ainda um longo processo de exercício democrático pela frente no qual os diferentes grupos sociais vão aprendendo a viver e a resolver suas divergências políticas por meio de outro tipo de enfrentamento que não o armado. Nessas duas últimas décadas aprimoramos a democracia política, mas ainda temos muitas desigualdades sociais que precisam ser superadas para vivermos uma democracia também social e econômica, pois viver uma democracia plena significa possibilitar que todos os cidadãos brasileiros tenham garantidos os seus direitos básicos no campo social e econômico.
Conhecendo um pouquinho de Henfil, seu trabalho e luta política
Henrique de Souza Filho, mais conhecido como Henfil, nasceu em Ribeirão da Neves, Minas Gerais em 5 de fevereiro de 1944 e morreu aos 43 anos na cidade do Rio de Janeiro em 4 de janeiro de 1988.
Tinha cinco irmãs e dois irmãos - o sociólogo Herbert de Souza (o Betinho) e o músico Francisco Mário de Souza (o Chico Mauro). Henfil e seus dois irmãos eram hemofílicos e todos eles foram vitimados pela AIDS, pois contraíram o vírus HIV em transfusões de sangue.
Henfil foi criado na periferia de Belo Horizonte foi embalador de queijos, contínuo de agência de publicidade, chegou a freqüentar dois meses do curso de Sociologia, mas o abandonou e dedicou-se ao jornalismo. Na década de 1960, especializou-se em ilustração, particularmente nos cartoons e na produção de história em quadrinhos.
Na Revista Alterosa, em Belo Horizonte nasceram algumas de suas personagens mais famosas "os "Fradinhos". Em 1965, iniciou seu trabalho de caricatura política no Diário de Minas. Sua paixão pelos esportes (futebol e automobilismo) levou a produzir charges com esta temática para o Jornal dos Sports do Rio de Janeiro. Colaborou também com grandes revistas nacionais como Visão, Realidade, O Cruzeiro e a revista esportiva Placar.
Durante sua carreira com seu traço sucinto que com pouquíssimas linhas compunha desenhos bastante expressivos, Henfil criou 27 personagens inesquecíveis. Entre eles: o capitão Zeferino, a Graúna, uma ave desbocada do sertão e o bode intelectual Orelana, todas elas faziam referência à parcela da população rural brasileira da região mais abandonada do país, mais especificamente o árido sertão nordestino - a Caatinga. Havia também Ubaldo, o paranóico, Urubu e os inesquecíveis Fradins (Baixim e Cumprido), estes últimos "autores" de uma expressão gestual famosa no país: o bater com uma mão aberta sobre outra fechada, acompanhado sempre com a onomatopéia "top, top" com um sentido figurado de "estamos ferrados" nos demos mal".
A acidez e o cinismo extremo dos fradinhos de Henfil, cuja junção entre personagem e atitude pode nos soar paradoxal era um modo de Henfil exprimir sua revolta contra a censura e a repressão promovida pelo regime militar. Nas palavras do historiador Elias Saliba:
"O Fradim já esgarça todos os limites de comportamentos proscritos ou interditos, tirando meleca do nariz, restos de comida dos dentes ou assumindo posturas lúbricas. (...) ele olha para o leitor da página e faz dele, explicitamente, um cúmplice. (...) Nas tiras do Fradim, até o diabo em pessoa aparece, indignado por ter sido incluído numa frase já dita por Churchil a propósito de Hitler. Henfil não se contenta em expor apenas e exclusivamente as chagas da terra, almeja também turbilhonar o próprio céu, jogando seus dois frades num universo completamente contingente, gratuito e absolutamente desprovido de finalidade e de graça. Graça divina, bem entendido!" (SALIBA, Elias Thomé. Apud. MATTAR, Denise (org.). Traço, Humor & Cia. São Paulo: FAAP, 2003, p. 176-78).
A partir de 1969, Henfil tornou-se colaborador do Pasquim, semanário político e de humor muito inteligente que reuniu uma gama de jornalistas e cartunistas de oposição ao regime militar. Foi neste jornal que essas e outras personagens caricaturais do chargista Henfil ganharam extrema popularidade e, em fins da década de 1970 e início de 1980, poderiam ser vistas ilustrando as cartilhas e panfletos estudantis e/ou operários que convocam os trabalhadores às greves, reivindicando melhores salários e condições de trabalho que exigiam o fim da ditadura, a aprovação da anistia aos presos políticos e ainda animavam o movimento das Diretas-já.
Henfil ficou mais conhecido pelos seus desenhos satíricos e extremamente críticos, mas em seus 43 anos de vida produziu muito: escreveu em co-autoria com Oswaldo Mendes a peça de teatro A Revista do Henfil, escreveu, dirigiu e atuou no filme Tanga - Deu no New York Times e na televisão, no programa TV Mulher da sexóloga e atual ministra do turismo Marta Suplicy, desenvolveu e atuou no quadro "TV Homem", na Rede Globo.
Publicou um livro intitulado Diário de um Cucaracha, fruto de sua experiência como estrangeiro nos EUA, durante os dois anos que ali viveu para tratamento de sua saúde debilitada. Publicou ainda os livros Hiroxima, Meu Humor Dez em Humor (coletiva), Diretas-Já, Henfil na China, Fradim de Libertação, Como se Faz Humor Político.
Nosso eterno cartunista político é também autor de crônicas redigidas na forma de cartas, cujo destinatário era a sua mãe D. Maria. Algumas dessas epístolas extremamente sensíveis sobre a realidade brasileira são narradas na belíssima interpretação de Antônio Abujamra no curta Cartas da mãe.
Profundamente politizado e adepto do socialismo, Henfil envolveu-se nas principais lutas políticas e sociais da história recente do Brasil. Suas charges e crônicas denunciavam a corrupção na política, a ditadura, a violência contra os indígenas, operários e camponeses, a especulação da terra defendiam a anistia aos presos políticos e a redemocratização do país, por meio do restabelecimento das eleições diretas.
Henfil foi colaborador de publicações do sindicato dos jornalistas, chegou a integrar a diretoria como membro efetivo do Conselho Fiscal e, em parceria com o cartunista Laerte (um dos depoentes do curta Cartas da mãe), inovou a comunicação dos sindicatos de trabalhadores. Foi também um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e dispôs o seu talento para criar cartoons e desenhos para confecção de cartazes, camisetas, buttons e outros produtos para o partido. Criou o mote "Diretas Já", a campanha que em 1984 mobilizou milhões de brasileiros em todo o país na luta pelo restabelecimento de eleições diretas no país.
Antes e depois da seção de cinema
O premiado documentário Cartas da mãe, tem como eixo as cartas literárias que Henfil publicou entre 1976 até 1984 na revista IstoÉ. O curta oferece-nos um olhar sobre a resistência à ditadura militar do ponto de vista daqueles que sofreram a censura e/ou a repressão nos porões da Ditadura. Entre as referências de meados da década de 1970 e início da de 1980 e os depoimentos dos amigos de Henfil, conhecemos a história recente de nosso país da perspectiva das lideranças sindicais, estudantis, camponesas, dos intelectuais e políticos de oposição (alguns deles mortos, torturados, presos ou exilados) que com sua luta ajudaram a nossa sociedade a derrubar a ditadura militar e iniciar novos tempos.
Antes de exibir o curta Cartas da mãe contextualize o período em que foram produzidas as cartas de Henfil e conte para a turma alguns dados biográficos relevantes de seu autor.
Além de animações inéditas de alguns dos mais famosos cartoons de Henfil como a Graúna e os fradins, o curta Cartas da mãe traz uma série de depoimentos.
Os testemunhos dos cartunistas Angeli e Laerte, do jornalista Zuenir Ventura, do escritor Luis Fernando Veríssimo, do atual Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, da professora Iza Guerra e da assistente social e cunhada Gilse Cosenza, ambas presas políticas durante o regime militar, servem como uma espécie de introdução aos temas que são narrados pelas cartas escolhidas pelos diretores de Cartas da mãe. Assim, temas como política, cultura, amigos, amor, humor, dores, esperanças e desesperanças são explorados pelos diretores do curta por meio da junção entre texto e imagens, oferecendo-nos um pouco da trajetória política e artística de Henfil dos anos da ditadura militar até sua morte na perspectivas de seus amigos.
Chame a atenção para as imagens que ilustram a narração feita por Antônio Abujamra. Elas dialogam com o texto narrado das cartas. Assim, quando Henfil faz um verdadeiro manifesto socialista elegendo o coletivo e se opondo ao individualismo, o/a expectador/a assiste na tela cenas de grandes edifícios decadentes, apinhados de gente e aglomerações urbanas que reforçam a idéia de "povo", "massa", "conjunto". Quando o texto da carta denuncia a invasão de terras indígenas pela especulação imobiliária, sob a proteção de governos corruptos, vemos na tela cenas singelas de aldeias indígenas e de sua população indefesa às investidas truculentas do poder econômico. Quando uma das cartas de Henfil fala da greve dos dubladores e o autor diz que não aprecia filmes dublados, tecendo uma dura e inteligente crítica à ditadura, especialmente à censura ao afirmar que em nosso país uma única pessoa "dubla" a voz de 110 milhões de brasileiros, na tela, podemos ver o reforço das idéias transmitidas no texto por meio das imagens que expressam as "vozes caladas" dos trabalhadores brasileiros negros e brancos vivendo em extrema pobreza. Imagens que eram evitadas no discurso oficial que vendia que o "Brasil é um país que vai pra frente".
Após a exibição do curta faça perguntas como:
O que aprendemos ao conhecer um pouco a trajetória de vida, do trabalho e da militância do cartunista?
Quais as bandeiras políticas do autor de Cartas da mãe? Algumas dessas bandeiras ainda são atuais? Quais? Por quê?
Que grupos políticos sociais e econômicos se opunham durante o período em que foram redigidas as cartas? E na atualidade, quais grupos se opõem, por que se opõem que interesses cada um defende?
Será que as distinções entre esquerda e direita não mais existem? Que propostas hoje no Brasil são defendidas pelos grupos que se assumem de esquerda?
O Gênero literário epistolar
O gênero epistolar (cartas literárias) é um dos mais antigos da literatura. O Novo Testamento está repleto de cartas compostas com o objetivo de aconselhar e instruir os cristãos a desenvolver e administrar as primeiras igrejas.
Mas foi com a Epistola ad Pisones, de Horácio (65 a.C. - 8 a.C.), que esse tipo de escrita tornou-se modelar. Os romanos, assim, criaram o modelo clássico das cartas que conhecemos até os nossos dias, ou seja, composição poética em verso ou prosa de temática variada, na forma de carta: um texto com uma saudação inicial, precedida da apresentação do autor e a indicação do destinatário o corpo da carta, a mensagem propriamente dita no texto da missiva e, finalmente, a despedida com saudações para o destinatário.
Entre as cartas mais famosas que chegaram a nós estão as epístolas morais de Sêneca , escritas para remetentes ficcionais como o suposto discípulo Lucílio, as cartas serviram como um meio pelo qual esse filósofo divulgava seus preceitos morais.
O ápice da literatura epistolar ocorreu no século XVII, período onde as monarquias européias centralizaram e disseminaram os serviços postais e os poetas e romancistas deram continuidade a essa tradição durante o século XIX e XX até o advento da Internet.
Em nossa literatura e na literatura internacional escritores de prosa e poesia se dedicaram ao gênero das cartas. São famosas, por exemplo, as Cartas a um jovem poeta, escritas por Rainer Maria Rilke para um destinatário real, Franz Xaver Kappus, jovem poeta e admirador de Rilke. As cartas de Rilke ganharam independência do diálogo travado com seu destinatário, ao ponto de somente elas terem sido publicadas e as enviadas pelo jovem poeta para Rilke, não.
Poetas e romancistas da língua portuguesa também se dedicaram ao gênero: nas epístolas de Fernando Pessoa escritas para Mário de Sá Carneiro e outros escritores da Revista Orpheu
podemos encontrar algumas das teorias do poeta português sobre a arte moderna. São também famosas as cartas de Eça de Queirós a Oliveira Martins, de Jorge de Sena a António Sérgio.
No Brasil, vários poetas e escritores e também compositores como Chico Buarque se dedicaram ao gênero epistolar. Chico Buarque compôs em 1976 a canção "Meu caro amigo", uma "carta falada" dirigida ao dramaturgo e diretor Augusto Boal que à época estava exilado em Lisboa.




Objetivos
Conhecer um pouco da vida e produção do cartunista, jornalista e escritor Henfil sob o olhar daqueles que conviveram com ele discutir a atuação de artistas que fizeram uso de sua arte como 'arma política' contra a censura e a repressão durante o regime de ditadura militar no Brasil (1964-1985) e lutaram pela democratização do país conhecer, apreciar e exercitar a produção do gênero literário epistolar ler artigos e reportagens da imprensa corporativa e da mídia alternativa para exercitar a crítica na produção de comentários refletir sobre o conflito entre o direito à liberdade de expressão (e liberdade de imprensa) e os direitos e garantias individuais como a presunção de inocência, o direito de resposta e o direito de imagem.

Situação Didática
1. Apreciando algumas cartas literárias e compreendendo o contexto no qual elas foram produzidas:

Professor/a: a seguir selecionamos duas cartas de Henfil que fazem parte do roteiro do filme Cartas da mãe e a 'carta falada' de autoria de Chico Buarque de Holanda, todas elas foram produzidas durante o período em que vigorou o regime de ditadura militar em nosso país.

Um bom exercício para as disciplinas de História e Sociologia é explorar tais produções literárias como documentos históricos, analisando as representações sobre o período feitas por artistas com perfis ideológicos como os de Henfil e Chico Buarque e como eles fizeram uso de sua arte para se opor ao regime militar.

Para auxiliar o seu trabalho produzimos pequenas notas para as referências citadas na segunda carta de Henfil, selecionada para explorar tais referências. Ao lado de cada documento, reproduzimos um quadro com alguns comentários que julgamos pertinentes para contextualizá-los.

São Paulo, 1º de setembro de 1978.

"Eu nunca soube amar. Eu nunca soube amar a cada um. Eu nunca soube amá-los como indivíduos. Eu nunca soube aceitá-los como feios, fracos e lentos.
Tragam-me um doente e não chorarei com ele. Mas me mostrem um hospital e derramarei rios e mares.
Eu não sei falar e ouvir um homem, uma mulher ou uma criança. Eu só sei fazer coletivo, massa, povo, conjunto.
Sou capaz de ser herói, mas não sou capaz de ser enfermeiro. Sou capaz de ser grande, mas não sou capaz de ser pequeno.
Eu nunca dei uma flor. Nunca amei uma pessoa. E tenho amor. Dou desenhos, dou textos, escrevo cartas. Sem contato manual, sem intimidade, sem entregar.
Por que desenho, por que escrevo cartas? Minha arte é fruto da minha importância de viver com vocês.
Um dia, vou rasgar o papel que escrevo, rasgar o bloco que desenho, rasgar até esse recado covarde e vou me melar e besuntar com vocês, tudo com meu grande beijo. Vocês vão me reconhecer fácil: vou ser o mais feliz de vocês.
Henfil"

São Paulo, 26 de dezembro de 1979.

Mãe,
Aqui estou eu, em mais um Natal, fazendo desta carta meu sapato colocado na janela.
Eu fui bom este ano, mãe. Eu acho que fui muito bom. Eu fui solidário com todos os meus irmãos Betinhos. Fiz greve com todos os Lulas. Quebrei Belo Horizonte como todos os peões. Voltei pro país que me expulsou como todos os Juliões .
Dei murro em ponta de faca como todos os Marighellas . Cantei as prostitutas, as mulheres de Atenas e joguei pedra na Geni como todos os Chicos Buarques. Aspirei cola como todos os pixotes . Fui negro, homossexual, fui mulher. Fui Herzog , Santo Dias e Lyda Monteiro .
Fui então muito bom este ano, mãe.
Aqui está minha carta sapato.
Vou fechar os olhos, vou dormir depressa. Esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela. Me façam chorar de alegria, que eu quero viver!
A bênção,
Henfil


Meu Caro Amigo (1976)
(Composição: Chico Buarque / Francis Hime)

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão

Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco

Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol

Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta

A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus


2. Elaborar cartas literárias sobre a realidade brasileira

No site Porta Curtas você encontra o roteiro do curta Cartas da mãe com todas as cartas narradas neste curta.

Proponha a leitura de algumas delas para que os alunos observem que aspectos da realidade nacional chamavam a atenção de Henfil.

Retome a fala de Laerte que conta que Henfil os convidava para programas do tipo 'funarte' e do tipo 'funai', um modo brincalhão do cartunista de apresentar o Brasil da cultura letrada e da cultura popular aos cartunistas iniciantes para estimulá-los a olharem ao seu redor, a observarem e registrarem em suas charges um Brasil pouco observado e bastante censurado na visão oficial do regime ditatorial.

Depois, ao estilo das Cartas da mãe de Henfil, proponha a redação de cartas literárias sobre o cotidiano político e social do nosso país na atualidade. Para publicá-las, estimule a turma a criar um blog. Para construir um blog, os alunos podem utilizar os sites que oferecem gratuitamente serviços de blogs em língua portuguesa como o blogger e o wordpress.


3. Elaborar cartas críticas à imprensa corporativa ou à mídia alternativa

Durante o período em que a ditadura militar vigorou no Brasil (1964-1985), intelectuais, artistas, líderes sindicais, estudantis e camponeses, especialmente os de orientação ideológica de esquerda lutaram contra a censura e pela liberdade de expressão em nosso país.

Hoje, vivemos uma democracia política na qual a liberdade de expressão é garantida pela Constituição. Mas, por vezes, em nome da liberdade de expressão (e de imprensa), a mídia corporativa ou a chamada grande imprensa comete abusos que já destruíram reputações de pessoas ou instituições expostas em escândalos. De modo geral, mesmo que consigam provar que eram inocentes das acusações, pessoas e instituições atingidas e difamadas não contam com o mesmo espaço na mídia para desmentirem os falsos escândalos divulgados irresponsavelmente pela imprensa e recuperarem sua imagem pública.

Outro aspecto complicador desse quadro é o fato de que os meios de comunicação em nosso país estão sob controle de pouquíssimos grupos que monopolizam emissoras de rádio e televisão, jornais impressos e portais na Internet:

"(...) a imprensa acabou por se transformar num grande negócio. Os principais jornais passaram a fazer parte de conglomerados empresariais com interesses econômicos e políticos e, eles próprios, se constituíram em atores importantes na disputa pelo poder nas sociedades de Estado democrático. A ameaça à liberdade de expressão passou a vir não somente do poder do Estado, mas também do poder desses grandes conglomerados. Essa nova realidade possibilitou, em alguns casos, o que se chamou de "privatização da censura", de "jornalismo sitiado", e levou, inclusive, à inclusão de critérios de concentração econômica nos índices de avaliação da liberdade de imprensa em países democráticos." LIMA, Venício A. de. 'O cidadão e a liberdade de imprensa', 18/03/2008. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=477JDB002

Que conseqüências esse monopólio gera para a comunicação, para a veracidade das notícias publicadas, para a democratização da informação?

Será que no cenário político atual podemos afirmar que existe uma imprensa neutra, sem interesses políticos e/ou partidários? Será que não existe mais oposição ideológica entre esquerda e direita? O que entendemos por esta expressão?

As expressões 'esquerda' e 'direita' ganharam significado político no contexto das revoluções liberais do século XVIII, especialmente após a Revolução francesa. Na Assembléia parlamentar francesa, a bancada que ficava à esquerda do presidente da assembléia era formada por um conjunto de membros que lutam por idéias avançadas, em oposição aos membros que se sentavam à direita e defendiam a conservação dos valores e do status quo vigentes.

Na câmara e no senado dos E.U.A., os democratas (tidos como menos conservadores) sentam-se à esquerda, e os republicanos (tidos como mais conservadores), à direita.

Com o passar do tempo a expressão 'esquerda' passou a denominar o conjunto dos indivíduos de uma nação, ou mesmo de uma comunidade supranacional, que acreditam na superioridade dos regimes socialistas ou comunistas sobre outras formas de organização econômico-políticas, especialmente a do capitalismo. Os que defendem o regime capitalista, o mercado como regulador de tudo são denominados pelos primeiros de conservadores, membros da direita e, na atualidade, de 'neoliberais'. Os que se vêem como 'esquerda' defendem a intervenção do Estado na economia, advogam que é dever do Estado prover o bem-estar dos cidadãos e têm como uma de suas principais metas acabar com as desigualdades sociais inerentes ao regime capitalista.

Considerando as discussões anteriores, proponha à turma uma pesquisa sobre a mídia alternativa presente na blogosfera brasileira (veja sugestão de alguns sites no item Para saber mais) e, em grande parte, declaradamente de esquerda.

Oriente os grupos a selecionar alguns desses blogs para leitura e análise de artigos políticos e de opinião sobre um tema específico. Oriente-os a pesquisarem também o mesmo tema em artigos publicados nos blogs e sites da imprensa corporativa para que possam comparar as abordagens e perceberem diferenças e/ou semelhanças nelas.

Finalmente, sugira que formulem uma opinião pessoal sobre o que leram e se desejarem que redijam comentários críticos sobre os artigos veiculados pela mídia (corporativa ou alternativa) e os envie aos autores cujos artigos provocaram a redação dos comentários críticos.

Comentários
Para saber mais:

Livros de e sobre Henfil

CIRNE, Moacy. História e crítica dos quadrinhos brasileiros. Rio de Janeiro: Funarte, 1990.
FONSECA, Joaquim da. Caricatura: a imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999. 286 p., il. p&b.
HENFIL. A volta da Graúna. São Paulo: Geração Editorial, 1993.
HENFIL. A volta do Fradim. São Paulo: Geração Editorial, 1994.
HENFIL. Cartas da mãe. Apresentação cardeal Paulo Evaristo Arns. 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 1986. 225p.
HENFIL. Diário de um cucaracha. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1983. 276p. il. p.b.
HENFIL. Diretas já! 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 1984. 126 p., il., p&b.
HENFIL. Henfil na China: antes da Coca-Cola. Rio de Janeiro: Codecri, 1980. 309 p., il. p&b. (Edições do Pasquim, 80).
LAGO, Pedro Corrêa do. Caricaturistas brasileiros: 1836-1999. Prefácio Zuenir Ventura apresentação Aloysio de Andrade Faria. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 1999. 215 p., il. color.
MATTAR, Denise (org.). Traço, Humor & Cia. São Paulo: FAAP, 2003. 240 p., il. p&b. color.
MORAES, Dênis de. O Rebelde do traço: a vida de Henfil. 2.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1997. 579 p., il. p&b.
PABLO, Pablo! uma interpretação brasileira de Guernica. Texto Frederico Morais, Mário Barata. Rio de Janeiro: Funarte, 1981. 32 p., il. color.
REGO, Norma Pereira. Pasquim: gargalhantes pelejas. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. 127 p., il. p&b. (Arenas do rio, 6)

Sites:
http://www.centrocultural.sp.gov.br/gibiteca/henfil.htm
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_criticas&cd_verbete=3593&cd_item=15&cd_idioma=28555 (Enciclopédia das artes visuais, verbete Henfil).

Filmes:
Documentário 3 irmãos de sangue que conta a história da luta de Henfil e seus irmãos Betinho e Chico Mário que hemofílicos e necessitando de recorrentes transfusões de sangue foram contaminados pelo vírus HIV em uma época em que não se exigia exames de sangue para doadores e os procedimentos de segurança para coleta e transfusão eram bastante precários nos bancos de sangue no Brasil. Informações disponíveis em http://www.3irmaosdesangue.com.br. Acesso 27 abril de 2008.

Ditadura militar: mortos e desaparecidos políticos:
Direito à verdade e à memória: comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos. Brasília DF: Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, 2007. Disponível em:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf. Acesso: 28 de abril de 2008.

Gênero Epistolar
http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/epistola.htm. Este site é um dicionário eletrônico de termos literários, no verbete Epístola, você pode aprender um pouco mais sobre esse gênero.
http://letrasartes.blogspot.com (Site com informações sobre as epístolas romanas). Acesso em 28/04/2008.
MIGUEL. Miriam Maria Bernardi. Os preceitos morais de Sêneca na formação do homem virtuoso. Seminário de Pesquisa do PPE- 2004, Universidade Estadual de Maringá, 21 e 22 de outubro de 2004. Disponível em:
http://www.ppe.uem.br/publicacao/sem_ppe_2004/pdf/28completo.pdf. Acesso: 28 abr. 2008.
http://www.screamyell.com.br/pms_cnts/rainermariarilke.htm. Neste endereço eletrônico, além de algumas informações sobre o poeta Rainer Maria Rilke, há a reprodução da 1ª carta de Rilke traduzida para a língua portuguesa). Acesso em 28/04/2008.

Alguns sites da blogosfera alternativa:
www.viomundo.com.br - blog do jornalista Luiz Carlos Azenha
http://edu.guim.blog.uol.com.br/- blog de Eduardo Magalhães, presidente fundador do Movimento dos Sem-Mídia, movimento criado para fazer a contrapauta da mídia corporativa.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ - Site de jornalistas, professores e outros profissionais que fazer a crítica à mídia corporativa e agora também à mídia da blogosfera.
http://www.fazendomedia.com/- blog do jornalista Marcelo Salles e colaboradores.
http://blogdomello.blogspot.com/ - blog do jornalista Antônio Mello
http://www.blogdoalon.blogspot.com/- blog do jornalista Alon Feuerwerker
http://www.sivuca.com/manifesto-da-midia-livre - Blog comunitário dos sem-mídia

Sites que oferecem ferramentas de blog em português e gratuito
http://pt-br.wordpress.com/
https://www.blogger.com/start
www.multiply.com (em inglês, mas de fácil utilização).

Pedagogo Autor do Plano de Aula
Conceição Oliveira


Formação: Especialização em História (lato sensu: História Social da Cultura:1990) pela Universidade Estadual de Campinas; Graduação em História pela Universidade de São Paulo (Licenciatura: 1990); Graduação em História pela Universidade de São Paulo (Bacharelado: 1987; Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2007).
Atividades Profissionais: Tem experiência na área de Educação e História, com ênfase no ensino fundamental, médio, na formação de educadores e produção de materiais didáticos; atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de história (metodologia e prática), história africana e afro-brasileira, relações étnico-raciais e diversidade.Atualmente, além da reedição de suas obras didáticas trabalha com formação de professores e presta assessoria na área de produção de didáticos para projetos públicos e para o mercado editorial.
Publicações: É autora de várias coleções didáticas, dentre elas Paratodos-História (2º ao 5º ano Ensino Fundamental), Editora Scipione (Prêmio Jabuti 2005) e História em Projetos (6º ao 9º ano Ensino Fundamental), editora Ática, (melhor coleção do PNLD-2008).
Nível: Ensino Superior